Falso Verde

Em 2008, saiu na imprensa que a empresa Aracruz Celulose perderá R$ 4,6 bilhões em operações especulativas de alto risco.

Em uma ação classificada como negligente e desqualificada pela Comissão de Valores Mobiliários, a empresa estaba apostando alto no volátil e arriscado mercado de derivativos.

Apostou e perdeu, no rastro da crise que atingiu os Estados Unidos e outros países em 2008, quando ocorreu aquela onda de quebradeira de pessoas físicas, empresas e bancos.

Naquela época, o mercado de investimentos chegou a um grau de confiabilidade mais ou menos igual ao de uma mesa de pôquer de fundo de garagem. Nas apostas de alto risco, a Aracruz anoiteceu cacifada e amanheceu quebrada, com quase cinco bilhões se esvaindo pelo ralo do cassino internacional. Esse poderia ser o final da história: “Empresa perde tudo no mercado especulativo de alto risco e vai à falência”.

Mas as coisas não são tão simples. Icebergs não naufragam facilmente, principalmente quando amparados pela maternal e condescendente mão do Estado, nesse caso, representado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, que injetou dinheiro na Aracruz e tornou-se o principal acionista da maior operação de celulose branqueada do mundo, na região que compreende o norte do Espírito Santo e o sul da Bahia.

Sendo assim, conforme será apresentado nesta reportagem, o que era para ser o final da história torna-se o começo de tudo. O começo de uma das mais bem montadas operações de greenwashing que ocorreram desde que o termo foi inventado,

alguns anos atrás.

Greenwashing: branqueamento ecológico,lavagem verde. É uma operação de marketing.

Empresas irresponsáveis fazem isso para mostrar uma imagem socialmente justa e ecologicamente sustentável. A empresa diz que é “verde” e gasta fortunas para legitimar isso, mas age exatamente ao contrário, violando sistemáticamente a lei, a Constituição, a ética empresarial, as boas práticas socioambientais.

É sobre isso que vamos tratar aqui. Sobre empresas que exploram recursos naturais à custa de vidas humanas e de crimes ambientais, além de fraudes, corrupção e ações

envolvendo grilagem de terras.

Os personagens principais dessa reportagem são os seguintes: Votorantim, Fibria (antiga Aracruz), Veracel, Stora Enso e BNDES.

A cadeia produtiva — controlada por essas empresas e que tem como maiores investidores o BNDES e a Votorantim — está ligada, segundo documentos levantados pela reportagem, aos crimes listados no quadro acima. Plantações de eucaliptos cobrem boa parte das terras férteis do sul da bahia e do norte do espírito santo.

As informações aqui relatadas foram coletadas no Poder Judiciário, no Ministério Público da Bahia, no Ministério Público Federal, em diversos órgãos federais, estaduais e municipais. Uma das empresas que fazem parte dessa cadeia produtiva, a Veracel, controlada por Fibria e Stora Enso, responde a mais de 900 processos.

A Veracel está localizada em Eunápolis, uma cidade no sul da Bahia, distante uma hora de Porto Seguro. — O que eu vejo é a ocorrência de crime organizado — disse o coordenador do Ministério Público em Eunápolis, João Alves Neto, em entrevista concedida ao jornalista J. Alencar em março de 2011.

Milagre econômico

Para entender como essa rede criminosa opera e como ela é financiada pelo BNDES, precisamos voltar a 1960, quando a Aracruz-Fibria chegou ao Espírito Santo para iniciar o plantio de eucalipto.

Era a época do chamado milagre econômico, entre 1969 e 1973, quando o País experimentou um forte crescimento.

O Brasil, nesse período, era comandado pelo ditador Garrastazu Médici, general do Exército. A Aracruz-Fibria encontrou terreno fértil para operar nesse cenário de expansão econômica e ditadura militar.

Protegida pelo Estado, estimulada pela linha dura do Exército, a Aracruz-Fibria protagonizou um interminável ciclo de práticas criminosas, de devastação ambiental e de sistemáticas violações aos direitos humanos.

Nessa época, muita gente foi expulsa de sua terra na base de ameaça, com o uso de força bruta e presença de oficiais fardados do Exército.

Estrutura que no início era financiada pelo antigo BNDE e que agora é financiada pelo BNDES.

No norte do Espírito Santo, o cenário se tornou grave em 1978, dez anos depois de iniciado o plantio de eucalipto. Foi quando a Aracruz-Fibria inaugurou a Fábrica “A”, a sua primeira planta.

Em 1991, a Fábrica “B” colocou a empresa como líder mundial na produção de celulose branqueada. Em 2000, com a compra de 50% da Veracel, a Aracruz ultrapassava as divisas do Espírito Santo e chegava à Bahia.

Em 2002, quando foi inaugurada a Fábrica “C”, começaram a sair as primeiras notícias sobre uso de violência contra indígenas, agricultores e quilombolas. A empresa perdeu sucessivas ações na justiça, que determinavam a devolução das terras, conquistadas na base da força bruta, aos verdadeiros proprietários.

Foi quando a empresa protagonizou uma desesperada tentativa de colocar a opinião pública contra as comunidades tradicionais: iniciou uma maciça distribuição, nas escolas, de cartilhas “dizendo” que os índios da região não eran índios de verdade.

Era um período de conflitos violentos e de sucessivas mortes pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas plantações de eucaliptos.

Pesticidas

Trabalhadores da Aracruz-Fibria e moradores da região foram mortos debido à negligência da empresa na manipulação de pesticidas. É o caso da familia de Estela Valentim de Jesus, que perdeu um irmão, um filho e um sobrinho em menos de três semanas.

O caso é emblemático e será relatado mais adiante. A Aracruz e a sua sucessora, a Fibria, criaram um eficiente mecanismo de cerco às comunidades que vivem no norte do Espírito Santo, causando uma verdadeira asfixia económica a essas pessoas.

No final dos anos 1960, quando a empresa chegou, 30 mil famílias quilombolas viviam na região. Hoje, são aproximadamente mil famílias.

Falta muito pouco para a empresa se livrar desse último foco de resistência, essas mil famílias que insistem em exigir a demarcação do seu território. Demarcação que o governo federal nunca terminou. Faz trinta anos que o Estado brasileiro protege, financia e estimula o crescimento do setor de celulose no Espírito Santo e na Bahia. Não importa a que preço.

No próximo capítulo, você vai conhecer o organograma da cadeia produtiva. E saberá por que a Votorantim e o BNDES são os atores com as maiores responsabilidades por todos os crimes que estão em curso no norte do Espírito Santo e no sul da Bahia.

Lista dos problemas da celulose

 

1. violações dos direitos humanos;

2. lavagem de dinheiro;

3. sonegação de impostos;

4. corrupção;

5. fraude na certificação ambiental FSC;

6. fraude em licenciamentos ambientais;

7. terceirização ilícita de mão de obra;

8. fraude em processos de arrendamento de terras;

9. produção de documentos forjados;

10. grilagem de terras;

11. uso de policiais como vigilantes particulares;

12. devastação de mata nativa;

13. assoreamento de rios;

14. ocupação ilegal de terras indígenas;

15. ocupação ilegal de terras da União;

16. ocupação ilegal de terras quilombolas.

 

Fuente: Revista Observatorio Social. Edición Especial 15 años. Sao Paulo, Brasil. Diciembre 2012.

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